segunda-feira, 12 de março de 2012

A IRÔNICA CONFISSÃO DO MORADOR AFLITO DE ARACAJU



            A IRÔNICA CONFISSÃO DO MORADOR AFLITO DE ARACAJU


                                                           Vladimir Souza Carvalho


Há uma necessidade premente de reservar um grande espaço de minhas pequenas estantes para os livros de Antonio Francisco de Jesus. Foi o primeiro pensamento que me veio à mente quando tive em mãos Minha querida Aracaju aflita, Aracaju, 2011, Diário Oficial, 120 pp. É o terceiro livro de sua autoria em pouco mais de cinco anos, e, outro já está pronto, nos retoques finais, o que simboliza um quarto, e, quem sabe lá na cabeça, quantos projetos e desses quantos livros ainda irão despontar. Melhor me prevenir para que todos seus livros, em meu gabinete, fiquem juntos como bons irmãos.
            A crônica é de difícil elaboração. Acho. A capacidade de dizer muito em poucas linhas desafia o poder de síntese do seu autor, no aspecto formal. Na essência, explorar temas banais e alcançar sucesso, é tarefa para os vocacionados. Nessa linha Antonio Francisco de Jesus trafega, neste terceiro livro, despojado da condição de tabaréu da Terra Vermelha, lá nos cafundós de Itabaiana, e sem mais evocar a sua passagem por um seminário. A crônica, aliás, é uma modalidade perigosa, porque ou o cara é bom, escreve bem e a crônica é bonita e atraente, ou não é bom e quebra a cara.
            Antonio Francisco de Jesus conseguiu, assim, em Minha querida Aracaju aflita a façanha de tirar leite de pedra, na abordagem de situações factuais sem grandes relevâncias geográficas, políticas e poéticas – v. g., um cachorro morto enfiado nas areias da praia, policiais que se recusam a abordar menores que roubam a pasta do filho do cronista, o bar inaugurado cuja música lhe perturba o sossego noturno, a vingança do vigia noturno ante a sua irmã (do autor) que não lhe paga um adjutório mensal, a ponto de ter de fechar a casa comercial em função dos assaltos, entre outras  -, fatos que, transmudados para suas crônicas, alcançam a levitação dos bons textos, proporcionando o interesse de quem se debruça sobre todos eles, saboreando um estilo simples, um feijão com arroz tão natural, que a noção de tempo desaparece e o livro, crônica por crônica, é percorrido num só momento. Diria até, invocando a boa e secular culinária de Itabaiana, que a leitura do livro se revela tão suave que parece uma faca afiada, dessas de cortar carne de boi, adentrando em doce de batata. 
            Depois, há em cada final o espanto ingênuo, às vezes, inocente, outras, a resignação  com o desgoverno da cidade em que mora, a ponto de o leitor, revoltado, chegar ao ponto de acreditar que a urbe  não está aflita, mas desprotegida, e aflito se encontra o seu morador, sem saber a quem recorrer quando sente o calo doer no pé diante do calçado novo, em decorrência da omissão de quem deveria agir em sua defesa.
            Minha querida Aracaju aflita se apresenta como um dos bons livros de crônicas da bibliografia sergipana, na mesma linha de um Garcia Moreno, Alberto Carvalho, Carmelita Pinto Fontes, Petronio Gomes, carregado, contudo, de características específicas na exploração de fatos banais e de textos curtos, nos quais o seu autor, sem a elegância refinada dos paradigmas invocados, escreve, como se estivesse expondo algo que participou ou foi testemunha, com a tinta da simplicidade, sem preocupação de construções rebuscadas e de exibição de cultura, bem longe de expelir qualquer espécie de poesia, mas, com a façanha de prender o leitor do início ao final nos casos vividos, deixando fincada na inocência do final de cada crônica a robusta marca da sua ironia, e, aliás, da ironia de itabaianense que escolheu Aracaju para sua morada.
            Nada disso, contudo, me espanta. Antonio Francisco de Jesus já deveria ter estourado no campo livresco a mais tempo. Experiência e talento sempre lhe sobraram, de forma que é bem positivo possa transmudar toda essa gana (o termo é colhido em Machado de Assis) de escrever para o livro o seu depoimento sobre fatos ocorridos na urbe aracajuana, que, não fosse seu registro, passariam completamente em branco.               

(artigo publicado no "Correio de Sergipe" de 10/03/2012)

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