A
IRÔNICA CONFISSÃO DO MORADOR AFLITO DE ARACAJU
Vladimir
Souza Carvalho
Há uma necessidade premente de
reservar um grande espaço de minhas pequenas estantes para os livros de Antonio
Francisco de Jesus. Foi o primeiro pensamento que me veio à mente quando tive em mãos Minha querida Aracaju aflita, Aracaju, 2011,
Diário Oficial, 120 pp. É o terceiro livro de sua autoria em pouco mais de
cinco anos, e, outro já está pronto, nos retoques finais, o que simboliza um
quarto, e, quem sabe lá na cabeça, quantos projetos e desses quantos livros
ainda irão despontar. Melhor me prevenir para que todos seus livros, em meu
gabinete, fiquem juntos como bons irmãos.
A crônica é de difícil elaboração.
Acho. A capacidade de dizer muito em poucas linhas desafia o poder de síntese
do seu autor, no aspecto formal. Na essência, explorar temas banais e alcançar
sucesso, é tarefa para os vocacionados. Nessa linha Antonio Francisco de Jesus trafega,
neste terceiro livro, despojado da condição de tabaréu da Terra Vermelha, lá
nos cafundós de Itabaiana, e sem mais evocar a sua passagem por um seminário. A
crônica, aliás, é uma modalidade perigosa, porque ou o cara é bom, escreve bem
e a crônica é bonita e atraente, ou não é bom e quebra a cara.
Antonio Francisco de Jesus conseguiu,
assim, em Minha querida Aracaju aflita a
façanha de tirar leite de pedra, na abordagem de situações factuais sem grandes
relevâncias geográficas, políticas e poéticas – v. g., um cachorro morto
enfiado nas areias da praia, policiais que se recusam a abordar menores que
roubam a pasta do filho do cronista, o bar inaugurado cuja música lhe perturba
o sossego noturno, a vingança do vigia noturno ante a sua irmã (do autor) que
não lhe paga um adjutório mensal, a ponto de ter de fechar a casa comercial em
função dos assaltos, entre outras -,
fatos que, transmudados para suas crônicas, alcançam a levitação dos bons
textos, proporcionando o interesse de quem se debruça sobre todos eles, saboreando
um estilo simples, um feijão com arroz tão natural, que a noção de tempo
desaparece e o livro, crônica por crônica, é percorrido num só momento. Diria
até, invocando a boa e secular culinária de Itabaiana, que a leitura do livro
se revela tão suave que parece uma faca afiada, dessas de cortar carne de boi, adentrando
em doce de batata.
Depois, há em cada final o espanto
ingênuo, às vezes, inocente, outras, a resignação com o desgoverno da cidade em que mora, a
ponto de o leitor, revoltado, chegar ao ponto de acreditar que a urbe não está aflita, mas desprotegida, e aflito se
encontra o seu morador, sem saber a quem recorrer quando sente o calo doer no
pé diante do calçado novo, em decorrência da omissão de quem deveria agir em
sua defesa.
Minha
querida Aracaju aflita se apresenta como um dos bons livros de crônicas da
bibliografia sergipana, na mesma linha de um Garcia Moreno, Alberto Carvalho,
Carmelita Pinto Fontes, Petronio Gomes, carregado, contudo, de características
específicas na exploração de fatos banais e de textos curtos, nos quais o seu
autor, sem a elegância refinada dos paradigmas invocados, escreve, como se
estivesse expondo algo que participou ou foi testemunha, com a tinta da simplicidade,
sem preocupação de construções rebuscadas e de exibição de cultura, bem longe
de expelir qualquer espécie de poesia, mas, com a façanha de prender o leitor
do início ao final nos casos vividos, deixando fincada na inocência do final de
cada crônica a robusta marca da sua ironia, e, aliás, da ironia de itabaianense
que escolheu Aracaju para sua morada.
Nada disso, contudo, me espanta.
Antonio Francisco de Jesus já deveria ter estourado no campo livresco a mais
tempo. Experiência e talento sempre lhe sobraram, de forma que é bem positivo
possa transmudar toda essa gana (o termo é colhido em Machado de Assis) de
escrever para o livro o seu depoimento sobre fatos ocorridos na urbe
aracajuana, que, não fosse seu registro, passariam completamente em branco.
(artigo publicado no "Correio de Sergipe" de 10/03/2012)
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